O modelo de Justiça Restaurativa ainda precisa ser muito debatido no país

No primeiro dia do seminário, que visa discutir se é possível ou não aplicar a Justiça Restaurativa na Lei Maria da Penha, a diversidade de público também marcou o evento.

O conceito de Justiça Restaurativa, proposta pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pode estar equivocado. É o que aponta o debate que aconteceu hoje, no primeiro dia do seminário “A “(Im)Possibilidade da Aplicação da Justiça Restaurativa na Lei Maria da Penha”, e que reuniu profissionais que trabalham no enfrentamento à violência contra a mulher, mulheres do movimento feminista, além de estudantes.

Promovido pela Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES) por meio do Núcleo de Direitos Humanos, em parceria com a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e com o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Mulher (Cedimes), e realizado no campus de Goiabeiras, em Vitória, o evento abordou os temas Direitos Humanos, Violência Contra a Mulher e Justiça Restaurativa.

Nos moldes propostos pelo CNJ, em casos de violência doméstica e violência contra a mulher, a Justiça Restaurativa poderia ser entendida como uma tentativa de reconciliação entre a vítima e o agressor, algo que é visto com preocupação pelas instituições que estão organizando o evento. Se a mulher brasileira tem autonomia para decidir a questão, se tem segurança para isso ou se essa tentativa seria uma imposição do perdão velado ao agressor, eram as questões iniciais, conforme explica a Defensora Pública, a Doutora Gabriela Larrosa de Oliveira. Porém, o debate ampliou o assunto e questionou, inclusive, o conceito de Justiça Restaurativa.

“Temos uma possível descoberta de que, aquilo que o CNJ pretende aplicar como Justiça Restaurativa, na realidade, não é. A Justiça Restaurativa tem outros propósitos que são muito mais complexos nessa questão de diminuição de danos para as vítimas”, defende a Defensora Pública. “São propósitos em que talvez, o tempo do processo e o tempo do poder judiciário não são condizentes. Seria uma possível tentativa de extinção ou de aceleração desses processos judiciários”, critica.

“Uma das coisas que ficou marcante é que, talvez, estejam utilizando o rótulo de Justiça Restaurativa para outro conteúdo. A Justiça Restaurativa tem vários conceitos e vários modelos e isso tem que ser muito bem estudado antes de ser implementado no país” . Gabriela Larrosa de Oliveira, Defensora Pública.

Indígena

Dentro dessa perspectiva de conceito, o doutor e professor da Ufes, Thiago Carvalho, um dos debatedores, provocou os presentes. “Em diversos países, promotores e juízes nem fazem parte de processos restaurativos que, têm como objetivo, ampliar as possibilidades de solução de conflitos. O sistema penal é esquizofrênico, pois para todos os conflitos sociais, apresenta a mesma e única resposta: o castigo”, afirmou.

Segundo ele, a perspectiva “mais decente” de Justiça Restaurativa nasceu em uma tribo indígena na Nova Zelândia, aplicada como solução de conflitos de crianças e adolescentes dessa tribo envolvidos em questões como furto de veículos e correlatas. “Como o a justiça oficial poderia absorver as metodologias das resoluções das tribos indígenas?”, provocou.

Para a doutora e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Luciana Boiteux, que palestrou no evento, o CNJ está sendo arbitrário. “Acima de tudo, o grande desafio da implantação de política pública ou de mudança de realidade, implica em ter que ouvir as pessoas afetadas por aquilo. Tem que ser feita uma roda com as mulheres vítimas de violência para entender o que elas necessitam. Não é a toa que estamos, em 2017, discutindo esse tema”, afirmou.

“Além disso, falar de violência contra a mulher é fazer um discurso contra hegemônico que vai atingir às mulheres negras e pobres, a classe trabalhadora. Quanto mais avançarmos na questão da igualdade, mais chances teremos de aplicar a Justiça Restaurativa, de fato”. Luciana Boiteux, doutora e professora da UFRJ .

A Doutora Gabriela ressaltou a diversidade do público que compareceu ao evento. “Felizmente, foi um evento com público bastante heterogêneo. Pelas próprias falas que foram abertas a gente percebeu que todas deram sua contribuição com focos diferentes. A cereja do bolo foi conseguir congregar pessoas de espaços tão diferentes para discutir o mesmo tema”, disse.

Compuseram a mesa, além de Luciana Boiteux e Thiago Carvalho, Natiele Giorsato, também pela Ufes, e Edna Calabrez Martins, presidente do Cedimes.

Confira a programação de amanhã:

8h às 12h

Palestrante: Professora Doutora Carmen Hein de Campos (UniRITTER)

“Lei Maria da Penha: resistências jurídico-feministas frente às tentativas de desmonte”

Coordenadora de mesa: Gabriela Larrosa de Oliveira (DPES)

Debatedoras: Professora Doutora Brunela Vincenzi (Ufes) e Mestre Emilly Tenorio

14h às 18h

Realização de grupo de trabalho para elaboração de uma carta, sobre os novos momentos de formação da Justiça Restaurativa e a Lei Maria da Penha que será enviada ao poder público, à sociedade civil e organizações de classe.

Local: Ufes – Campus de Goiabeiras, Vitória (Auditório do Centro de Educação Física e Desportos)

Por Wesley Ribeiro