Da gestação à amamentação atrás das grades! Uma realidade triste e corriqueira nos presídios femininos

Nas últimas décadas tem aumentado consideravelmente o número de aprisionamento de mulheres no Brasil, tornando-se um fenômeno que traz impacto para as políticas de segurança, administração penitenciária e para as políticas específicas de combate à desigualdade de gênero.

Mulheres gestantes e com filhos dependentes devem ter tratamento específico, de acordo com a versão em português da publicação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) das Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras, conhecidas como Regras de Bangkok.

“Penas não privativas de liberdade para as mulheres gestantes e mulheres com filhos/as dependentes serão preferidas sempre que for possível e apropriado, sendo a pena de prisão considerada apenas quando o crime for grave ou violento ou a mulher representar ameaça contínua, sempre velando pelo melhor interesse do/a filho/a ou filhos/as e assegurando as diligências adequadas para seu cuidado”, segundo a Regra 64.

O Marco Legal de Atenção à Primeira Infância, Lei sancionada no dia 8 de março de 2016, traz princípios e diretrizes para a formulação e implementação de políticas públicas especiais encarceradas: gestantes, mulheres com filho de até 12 anos de idade incompletos e homens que sejam os únicos responsáveis pelos cuidados do filho de até 12 anos incompletos, devem receber a concessão de prisão domiciliar.

A gravidez é uma situação recorrente no momento da prisão, ou enquanto durante o cumprimento de pena, tendo em vista que a maior parte das detentas é muito jovem, e consequentemente, em idade reprodutiva.

Segundo a Defensora Pública Mariah Soares da Paixão, que atua no Núcleo de Execução Penal (Nepe), especificamente no Presídio Feminino de Cariacica (PFC), a lei não prevê expressamente a possibilidade de conversão em prisão domiciliar para a mulher condenada.

“Os Juízes da Execução Penal da Grande Vitória entendem pela prisão domiciliar em substituição à pena decorrente da condenação apenas nos casos de doenças graves. No entanto, a Defensoria Pública tem realizado pedidos de prisão domiciliar mesmo para mulheres presas condenadas grávidas ou com filhos menores de 12 anos, considerando as finalidades e objetivos das alterações promovidas pela Lei da Primeira Infância no Processo Penal”, lembra Mariah.

No Espírito Santo existem quatro centros prisionais femininos, em Cachoeiro, São Mateus, Colatina e Cariacica. Os dois últimos possuem berçário e toda estrutura para atender gestantes e recém nascidos. Segundo a coordenadora do Nepe, a Defensora Pública Roberta Ferraz, toda e qualquer mulher presa que for comprovada grávida no Estado, caso não tenha berçário na unidade mais próxima, é encaminhada para a PFC para receber o atendimento adequado.

“O Centro Prisional de Cariacica tem um mínimo de estrutura para atender as gestantes, posteriormente acolher seus recém-nascidos e fornecer a assistência necessária, contudo, o ideal e de acordo com a legislação vigente, seria que essas a mulheres fosse concedida prisão domiciliar”, completa Dra. Roberta.

O PFC atende hoje 14 internas que se enquadram entre gestantes e lactantes (em período de amamentação), sendo 8 gestantes e 6 lactantes.

Bebês de mães condenadas

Após o nascimento, na PFC, os bebês permanecem com a mãe, em regra, por 6 (seis) meses, de modo a resguardar o período de amamentação (art. 5º, L, CF). “Já tive oportunidade de observar casos de bebês que permaneceram mais tempo na unidade prisional em razão de dificuldades para acertar as questões de guarda”, lembra a Defensora Mariah Paixão.

Já a Defensora Penha Maria De Sá Fernandes, do Núcleo de Infância e Juventude, já requereu a guarda de bebês com menos de seis meses em decorrência da mãe estar em surto. Porém, normalmente aguardam o período correto. “Aqui na PFC, em Tucum, a equipe do serviço social, entra em contato comigo, já encaminha a pessoa da família que tem interesse em ficar com a criança”.

Ela explica ainda que quando entram com pedido de Guarda, com liminar de provisório, o juiz de imediato defere a liminar e autorização para que o presídio faça a entrega do bebê à pessoa designada. “Se a mãe vier a receber alvará, aí pode-se extinguir o processo de guarda. Se o processo for sentenciado com deferimento da guarda em definitivo, e a mãe vier a receber alvará após a sentença, as partes em comum acordo podem requerer a revogação de guarda”.

Segundo Dra. Mariah as unidades prisionais do estado não possuem creches, na forma do art. 89 da LEP, de modo que, após o período da amamentação, a criança sai da unidade prisional.   As grávidas e as mães após o parto ficam em local separado na PFC, que constitui uma galeria adaptada chamada de berçário. “Apesar da tentativa de humanização do local, que possui berços e brinquedos, há grades e a fiscalização intensa”.

“Defensoria Para Elas”

É um Projeto continuado de atuação da Defensoria Pública em homenagem à data comemorativa do Dia Internacional da Mulher, que prioriza a assistência jurídica integral e gratuita ao público feminino em situação de cárcere na Penitenciária Feminina de Cariacica.  A primeira edição do projeto aconteceu em 2015, se repetindo em 2016, atendendo quase que a totalidade do público da unidade.

Neste ano, através do Projeto, a Defensoria Pública realizou uma ação voltada para as mulheres grávidas e com filhos até 12 anos, em que fez um levantamento de todas as mulheres nesta situação na Penitenciária Feminina de Cariacica. “Através dos prontuários das internas, conseguimos na PFC a documentação pertinente, como a certidão de nascimento das crianças, a prisão domiciliar, e o indulto e a comutação”, explica Dra. Mariah.

A Defensora Pública destaca que a Lei da Primeira Infância (Lei nº 13.257/2016), em suas alterações no Código de Processo Penal, garantiu expressamente a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar para a gestante e para a mulher como filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos (art. 318, V e VI, CPP).

“Trata-se de alteração que atinge a mulher presa provisória. No entanto, o Nepe, através de interpretação teleológica do instituto, realizou, nos Juízos da Execução Penal de Vila Velha, pedidos de substituição da prisão de mulheres condenadas grávidas e com filhos menores de 12 anos por domiciliar, relata a Defensora Mariah.

Já os pedidos de indulto e comutação foram fundamentados no Decreto de 12.04.2017, editado pela Presidência da República, excepcionalmente, em razão do dia das mães. “Em linhas gerais, o indulto é o perdão da pena aplicada como um todo, ao passo que a comutação é o perdão de parte da pena. Para as mulheres presas que preenchiam os requisitos do Decreto, a Defensoria Pública elaborou pedidos de indulto e comutação. Para algumas hipóteses, o Decreto envolvia como requisitos o fato da mulher ser mãe, avó ou gestante. Tais pedidos estão sendo deferidos pelos Juízos da Execução Penal”, explica Dra. Mariah.

Por Raquel de Pinho