Edital do Concurso do Corpo de Bombeiros sofre alteração após provocação da Defensoria Pública em prol da garantia do respeito a identidade de gênero de travestis e transexuais

A Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo (DPES) conseguiu garantir o respeito à identidade de gênero de travestis e transexuais ao promover, por meio de atuação extrajudicial, a alteração no edital do concurso para ingresso na carreira de Soldado Combatente Bombeiro Militar (QPCBM) e Oficial Combatente Bombeiro Militar (QOCBM) do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Espírito Santo (CBMES).

Após provocação do Instituto Brasileiro de Transmasculinidade no Espírito Santo (IBRAT-ES) e de um homem transexual interessado na realização das provas ao Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (NUDEDH), a Defensoria Pública entrou em contato com o Corpo de Bombeiros Militar do Espírito Santo com o intuito de defender a participação das pessoas travestis e transexuais no processo seletivo com respeito à identidade de gênero autodeclarada.

Em reunião realizada no Quartel do Comando-Geral, no último dia 17, foram debatidas questões como o uso do nome social e o exame de aptidão física aplicável às pessoas transgêneras. Participaram os Defensores Públicos Douglas Admiral Louzada e Gabriela Larrosa de Oliveira, do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (NUDEDH), juntamente com o diretor-adjunto de gestão de pessoas do CBMES, o Tenente-Coronel BM Ribeiro e outros membros do Corpo de Bombeiros do Espírito Santo.

Ao fim do encontro, concordou-se em realizar alterações no edital para que o processo seletivo se adeque à decisão do Supremo Tribunal Federal na Ação de Inconstitucionalidade nº 4275 e à Opinião Consultiva nº 24/2018 do Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Segundo o Defensor Público Douglas Admiral Louzada, a alteração é de suma importância e ressalta a relevância da resolução administrativa das demandas dos assistidos da Defensoria Pública: “Apesar de o edital do concurso já prever em sua redação inicial o respeito ao nome social de travestis e transexuais, ainda havia dúvidas quanto à realização do exame de aptidão física em conformidade com a identidade de gênero do candidato ou candidata”, relata.

O Corpo de Bombeiros Militar do Espírito Santo acolheu integralmente os argumentos expostos pela Defensoria Pública e promoveu a retificação do edital do processo seletivo. “Este resultado mostra a importância da atuação extrajudicial da Defensoria Pública, uma vez que, a partir de um caso concreto, conseguimos solucionar a questão para todos e todas as interessadas, evitando a judicialização desnecessária do concurso”, explica Admiral.

Como ficou o edital:

2.3.2.5 Fica assegurado às pessoas transexuais e travestis, que ainda não procederam à retificação de seus nomes e gênero, o direito à identificação por meio do seu nome social e direito à escolha de tratamento nominal, de acordo com a sua identidade de gênero. Entende-se por nome social aquele pelo qual travestis e transexuais se reconhecem, bem como são identificadas por sua comunidade e em seu meio social.

2.3.2.6 Para garantia do respeito ao nome social, o(a) candidato(a) deverá informar o seu nome social através de requerimento via e-mail candidato@institutoaocp.org.br, até a data de 27/07/2018. No mesmo ato, o(a) candidato deverá declarar, por meio de formulário próprio previamente disponibilizado na forma do Anexo XXX deste Edital, estar ciente de que o Exame de Aptidão Física será realizado de acordo com sua identidade de gênero e de que a declaração falsa, visando benefícios no processo seletivo, importará na sua exclusão do certame e na sua eventual responsabilização cível e criminal. O formulário deverá ser enviado digitalizado, comprometendo-se o(a) candidato(a) a apresentar o original na fase de entrega de documentação preliminar (conforme item 4 deste edital).

2.3.2.7 A anotação do nome social de travestis e transexuais constará por escrito nos editais do concurso, entre parênteses, antes do respectivo nome civil. As pessoas transexuais e travestis, candidatas a este concurso, deverão apresentar como identificação oficial, no dia de aplicação das provas, um dos documentos previstos neste Edital, conforme normativa dos subitens 3.5.10 à 3.5.12.

2.3.2.8 Se, no curso do processo seletivo, sobrevier a retificação do nome e/ou do gênero de candidatos(as) travestis e transexuais, serão procedidas as alterações devidas, prosseguindo-se o certame normalmente de acordo com a documentação oficial do candidato.

Para ficar sabendo:

– Sexo biológico: Diz respeito ao órgão genital que a pessoa apresenta desde o seu nascimento.

– Orientação sexual: Está relacionada à atração sexual, romântica e afetiva pelo outro de acordo com as suas características e identidade.

– Identidade de Gênero: Corresponde a uma manifestação psicológica, uma experiência interna, de como aquela pessoa se percebe e se identifica. Em suma, O termo “identidade de gênero” se refere à definição do gênero com o qual a pessoa se identifica.

– Pessoas cisgêneras: aquelas que se identificam com o mesmo gênero que lhe foi dado no nascimento, com base no sexo biológico.

– Pessoas transgêneras ou transexuais: aquelas que se identificam com um gênero diferente daquele que lhe foi dado no nascimento.

Há que se ressaltar que há pessoas que se consideram “não binárias”, ou seja que se percebem como de ambos ou de nenhum dos gêneros.

– Homens trans, homem transexual ou transexual masculino: pessoa que nasceu com a genitália feminina, mas que se identifica com o gênero masculino e se porta em sociedade como homem.

– Mulher trans, mulher transexual ou transexual feminina: pessoa que nasceu com a genitália masculina, mas que se identifica com o gênero feminino e se porta em sociedade como mulher.

Douglas explica que não há uma diferenciação conceitual exata entre mulheres transexuais e mulheres travestis. “Embora seja difundida a ideia de que a diferença reside no desejo de realizar ou não o procedimento de redesignação sexual, este fato não exprime e esclarece de modo completo a complexidade das questões relacionadas aos transgêneros”.

Ele lembra que, dentre outros fatores, há diversas mulheres transexuais que não desejam realizar a cirurgia de transgenitalização, além do procedimento não ser acessível a todas as pessoas interessadas em realizá-lo. “Assim, o conceito de transexual ou travesti está mais relacionado à autoafirmação do que a qualquer outro critério objetivo de diferenciação”, finaliza o Defensor Público.

 

Por Raquel de Pinho