Vítima de injúria racial, auxiliar de serviços gerais negra se depara com caricatura sua no trabalho

Os dois filhos, que acompanhavam a mãe, também foram vítimas de discriminação. Casos como este reforçam a importância do Dia da Consciência Negra.

Mulher, negra, cabelos crespos, baixa escolaridade e vulnerabilidade econômica e social. Por essas características, uma auxiliar de serviços gerais, de 49 anos, foi vítima de injúria racial na empresa onde trabalhava e onde encontrou, fixada no quadro de avisos da cozinha, uma caricatura sua. No dia de hoje, em que se comemora a Consciência Negra, a Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES), por meio do Núcleo de Direitos Humanos, ajuizou uma ação indenizatória em favor da vítima, mas há memórias que dificilmente são apagadas.

Além da auxiliar de serviços gerais, seus dois filhos, de oito e onze anos, foram os primeiros a sofrer a discriminação, segundo a vítima. É que a mesma caricatura foi exibida para eles na sexta-feira da semana anterior ao dia em que a mãe se deparou com o desenho. Enquanto aguardavam a mãe concluir o trabalho, uma estagiária debochou da mãe deles.

“Olha que bunitinho de sua mãe que eu fiz de barbinha, olha o cabelo dela que bonitinho cacheadinho, olha a florzinha dela, bunitinho né, coisinha né, olha a coisinha dela, tá toda colorida né, olha que binutinha que eu fiz no computador”, disse a estagiária.

A vítima relata que, na segunda-feira seguinte ao se deparar com a caricatura, sentiu-se profundamente amargurada e em prantos, pediu ao chefe que tomasse alguma providência. O homem, que também é professor, simplesmente retirou o desenho do quadro, amassou e jogou no cesto de lixo.

A auxiliar de serviços gerais procurou a polícia e registrou um boletim de ocorrência. Nos autos consta que o desenho exibido pela estagiária, na verdade, foi feito por uma segunda estagiária. No ano seguinte, a auxiliar de serviços gerais foi demitida e acredita que a demissão se deu por causa da queixa na polícia.

De acordo com a ação judicial, o crime ocorreu em março de 2011, em uma empresa de manutenção de caixas eletrônicos sediada em Vitória. Porém, como conta com poucos recursos educacionais e financeiros, a auxiliar de serviços gerais, somente teve conhecimento da possibilidade de ajuizamento da ação de indenização por danos morais quando foi atendida por uma assistente social, na Coordenação de Atendimentos de Vítimas de Violência e Discriminação doméstica, de gênero, racial e por orientação da prefeitura de Vitória (CAVVID-PMV/ES).

São réus no processo por injúria racial o chefe, as duas estagiárias e a empresa onde o crime ocorreu. Se condenados, os réus deverão pagar uma indenização de, no mínimo, 40 salários mínimos à vítima, cerca de R$37.480, tudo acrescido de juros de mora e correção monetária desde a data do ilícito.

Ação Judicial

“Na situação sofrida pela (…), um desenho foi mostrado a ela, a seus filhos e exposto para que todas as pessoas que trabalhavam no local pudessem ver. Toda a situação foi apresentada como forma de brincadeira, de troça, mas aqui o que se verifica, é a expressão do racismo por meio do deboche por conta da cor de sua pele, como forma de discriminar sem sofrer as consequências da prática racista. Ora, por que a parte ré desenhou justamente a (auxiliar de serviços gerais)? Por que as características físicas dela seriam motivo de riso entre as estagiárias? Ressalta-se ainda a linguagem utilizada (pela estagiária) quando se referiu ao cabelo da vítima, utilizando diminutivos como “cabelo bonitinho cacheadinho”, “florzinha”, “bonitinho”, com a conotação infantil, na tentativa de debochar da (vítima)”

Números

De acordo com o Portal JusBrasil, uma pesquisa realizada recentemente em São Paulo apontou que, das 200 pessoas entrevistadas, 92% acreditam que existe racismo na contratação de candidatos para emprego e 67% já sentiu que perdeu a oportunidade pelo fato de ser negro. Além disso, 60% informou ter sofrido racismo no ambiente de trabalho.

4.333,33%

É o percentual de aumento no número de ligações ao Disque 100 por crime de racismo e de injúria racial, entre 2014 e 2015, segundo dados da secretaria de Direitos Humanos do Ministério da Justiça.

Assinam a ação judicial os Defensores Públicos Douglas Admiral Louzada, Gabriela Larrosa de Oliveira, Keila Marconi da Rocha Leite e Pedro Pessoa Temer.

Por Wesley Ribeiro